domingo, 17 de agosto de 2014

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"E então uma nuvem passou à frente da lua e pairou por um instante como uma mão negra ante a face. Com isso se foi a ilusão. Olhei para uma concha desolada sem murmúrio do passado dentro daqueles muros rijos."


1# Joan Fontaine, Rebecca - A Mulher Inesquecível



Rebecca - A Mulher Inesquecível é um filme perfeito, uma obra-prima que vive na sombra dos maiores clássicos de seu diretor, Alfred Hitchcock. Mesmo com 11 indicações ao Óscar, tendo vencido o de melhor filme, este clássico sofre por ser o único de Hitchcock premiado pela Academia, quando este é hoje considerado um dos melhores realizadores da história. Frases como "É bom, mas outros filmes do Hitchcock mereciam mais um Óscar." baixam a bola dessa obra-prima que, com certeza, faz meu top três de filmes do diretor.

Em seu primeiro filme hollywoodiano, Hitchcock pontuou o que seria de praxe em sua filmografia. Humor subliminar, suspense psicológico, insinuações sexuais e o principal, uma protagonista com madeixas loiras. Para viver a primeira loira marcante de seus filmes, Joan Fontaine foi a escolhida. Enquanto sua irmã e rival, Olivia de Havilland, teve um sucesso arrebatador nos anos 30, Fontaine só foi conseguir um lugar ao sol quando a personagem sem nome de Rebecca foi por ela conquistada. Agarrando com os dentes a oportunidade, a atriz deu uma das atuações mais sensacionais dos anos 40 e a melhor de sua carreira - o que significa muito, visto que é uma das minhas atrizes favoritas. Com o reconhecimento do filme, indicações ao óscar em três as categorias de atuação. Joan Fontaine concorria com Bette Davis, Katharine Hepburn e Ginger Rogers. Tanto Hepburn quanto Davis já haviam sido premiadas, então, provavelmente, a dificuldade foi escolher entre Fontaine e Rogers. Entre a revelação do momento e a queridinha da América que abandonou os musicais e comédias e investiu em um melodrama, a Academia optou pela segunda. Obviamente, uma daquelas injustiças exaustivamente comentadas internet a fora, que no ano seguinte gerou outra grande injustiça. A Academia, perante o erro do ano anterior, entregou a estatueta de melhor atriz de 1941 para Fontaine em Suspeita, um dos filmes mais fracos de Hitchcock, com performance ainda mais fraca da atriz, que é até hoje subestimada pelo óscar que roubou de Bette Davis em Pérfida.

Mas o que leva uma atriz a entregar em um ano uma performance icônica e no seguinte uma tão apática? Podemos pensar que Fontaine nasceu para seu papel em Rebecca, que a personagem se adequava perfeitamente ao seu estilo de atuação, mas arrisco em palpitar que os bastidores de Suspeita não tenha sido dos melhores, tanto que Fontaine nunca mais voltou a trabalhar com Hitchcock, nem com Cary Grant. Provando que os bastidores é influência monstra em uma performance, o mesmo aconteceu em Rebecca. Laurence Olivier fez forte campanha para que sua mulher, Vivien Leigh, ganhasse o papel, como isso não aconteceu, a relação que ele estabeleceu com Joan Fontaine foi hostil, fazendo a atriz se sentir retraída e deslocada, duas das principais características da personagem. O que também ajudou na construção do personagem de Olivier, um homem que tem dificuldade de demonstrar seus sentimentos. Enquanto Vivien Leigh, sua esposa, gravava A Ponte de Waterloo com Robert Taylor, o ator travava sua performance contrariada em Rebecca, o que resultou perfeição na criação de um anti-herói incomum para a época, que nos divide completamente. E, assim como ele, Fontaine também tem um histórico que gera curiosidade. A atriz era preterida por sua mãe na vida real e dizia não se lembrar de algum dia ter recebido carinho de sua irmã, Olivia de Havilland. Assim, o ambiente, o histórico familiar, as relações conjugais e os bastidores influenciaram na composição dos personagens de Rebecca - A Mulher Inesquecível.

O filme abre com a voz de Joan Fontaine firme e com boa dicção, narrando o sonho que teve, enquanto a câmera percorre os caminhos tortuosos que levam a mansão Manderlay, onde a história se desenvolveria. Com um texto belíssimo, numa voz marcante, até tomamos um susto quando a narradora dá as caras, com uma voz fraca, um rosto tímido e uma postura corporal desengonçada. E é assim, desde o começo que a personagem sem nome demonstra ser, uma pessoa submissa. Dama de companhia de uma ricaça arrogante, a personagem aparenta não saber que rumos tomar na vida, até conhecer o Sr. de Winter (Laurence Olivier). Em sua genialidade, Hitchcock consegue nos fazer crer na relação dos dois em pouquíssimo tempo, com uma edição que mistura cenas de dança, passeios de carro e conversas à mesa, o romance daquelas duas criaturas solitárias encanta em pouco tempo. Em menos de meia hora, o pedido de casamento já é feito e, casados, os dois regressam a Manderlay, a megalomaníaca mansão do Sr. de Winter. Submissa como empregada, a nova Sra. de Winter agora também se tornara uma patroa submissa. Assombrada pela imagem apavorante da Sra. Danvers (Judith Anderson, em atuação sublime), governanta da casa, a personagem triplica sua solidão, ainda com um marido que desbrava sentimentos contraditórios, o encontro com um caseiro de figura singular e o primo sarcástico da antiga Sra. de Winter, todos deixando claro quanto Rebecca foi uma mulher inesquecível.

Pressionada, pisando em ovos, sem amigos e em um lugar desconhecido, a nova Sra. de Winter só consegue mudar sua situação quando o filme dá uma reviravolta. Explicando a voz firme da narração off que abre o filme, a personagem vai ganhando corpo, sua relação com o marido melhora, sua postura diante os empregados é mais autoritária e sua vontade de consertar o que perturba a todos em Manderlay se torna latente. E mesmo quando o filme se torna um drama de tribunal, dando espaço para George Sanders dar uma das melhores atuações coadjuvantes da história, a presença de Fontaine se sobrepõe a todo o filme. Muita perfeição para se verdade, não é? Sim! Quase todo filme que soa perfeito demais, tem um desfecho decepcionante, mas não é o caso de Rebecca, que tem um final genial, brilhantemente filmado e completamente incomum para a época, mas que justifica todo o filme e o torna um dos melhores da história com quatro das melhores atuações que já vi. Obra-prima do mais alto nível.




Menções Honrosas: Fontaine está maravilhosa em Isto, Acima de Tudo (1942), seria uma melhor vencedora do óscar do que Greer Garson por Mrs. Miniver. Em De Amor Também Se Morre (1943), sua última indicação ao óscar, ela interpreta uma adolescente e convence imensamente. Em Carta de uma Desconhecida (1948), ela tem um dos seus papéis mais desafiadores e se sai muitíssimo bem.

Próxima Avaliada: Rosalind Russell.

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